terça-feira, 30 de maio de 2017

Cristovam Buarque: Rejuvenescer a juventude

Há momentos em que as ideias precisam de pleonasmos que as expliquem melhor, tal como precisamos rejuvenescer a juventude. Nossa geração atual de políticos fracassou. Apesar de tirar o Brasil da ditadura, estancar a inflação, fazer a economia crescer, avançar na liberação de costumes, criar programas assistenciais, aumentar o número de universitários, apesar de tudo isto, nós caímos na corrupção, não criamos coesão nacional, nem definimos rumo para a evolução nas próximas décadas. Com isso, provocamos um sentimento de desconfiança em relação aos políticos, à política e aos partidos.

Nestas condições, a crise econômica caminha para uma forma de desagregação social visível na violência generalizada, no descrédito político, na permanência da pobreza e da concentração de renda, na descrença dos jovens, na baixa produtividade e na falta de invenção na economia. A próxima eleição de presidente, no prazo previsto ou antecipado por força da crise política, caminha para ser uma disputa entre políticos com ideias velhas e jovens militantes sem ideias próprias. A política brasileira precisa substituir seus agentes atuais por jovens políticos. A maior dificuldade para esta renovação está na divisão da juventude: os que se recusam à ação política e preferem realizar seus projetos pessoais e aqueles que militam politicamente com ideias velhas.
Os primeiros olham para frente sem ver o lado, os outros olham para trás sem perceber as mudanças em frente. Assistimos a parte dos jovens frustrados, sem motivação política; e jovens mobilizados, mas sem propostas transformadoras. As recentes ocupações de escolas se mostraram contrárias a pequenos gestos modernizadores na educação. Não tinham o objetivo de defender avanços: fim do analfabetismo, garantia que os filhos dos pobres devem ter o direito de estudar na mesma escola dos filhos dos ricos. Ao não propor novas ideias, a juventude militante passa a impressão de que está contra a modernização sem perceber a necessidade de mudanças e não parece sintonizada com o “espírito do tempo” das grandes transformações em marcha.
Apenas seguem palavras de ordem da geração anterior, que não foi capaz de apresentar ideias compatíveis com o futuro. Por outro lado, a juventude sintonizada com os avanços técnicos parece preferir cuidar de seus projetos pessoais. Apesar de jovens, são militantes conservadores por omissão política e pela defesa de conceitos superados, alguns não entendem as necessidades de transformações sociais, outros reagem na contramão da rápida marcha rumo ao avanço técnico.
O Brasil corre o risco de estancamento se seus jovens ficarem alheios ao progresso social ou contrários ao progresso técnico; submissos às velhas lideranças e a velhos conceitos. O futuro precisa subverter as novas gerações, renovando-as para que se façam contemporâneas. Um dos maiores desafios dos políticos do país é atrair os jovens para a militância e subverter suas ideias para formularem novos pensamentos, novas formas de organização e de militância, livres dos velhos conservadores saudosistas de um progressismo que ficou reacionário. (O Globo – 27/05/2017))
Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
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terça-feira, 23 de maio de 2017

Ricardo Noblat: Pátria amarga, Brasil!

Se Temer tivesse se limitado a ouvir Joesley em silêncio, estaria enrascado do mesmo jeito. O grupo JBS fora alvo de cinco operações da Polícia Federal. Joesley corria o risco de ser preso a qualquer momento. Temer ouviu Joesley confessar vários crimes — entre eles, o de que “segurava” dois juízes e subornara um procurador da República. E o que fez? Deu-lhe ordem de prisão? Despediu-se dele amavelmente.

Mesmo se o presidente tivesse só ouvido Joesley Batista, estaria igualmente enrascado. Raramente os séculos começam e acabam de fato na data marcada. O século XX começou com a guerra de 1914 e terminou com o fim da União Soviética em 1991. Dá-se o mesmo com os governos. O primeiro de Lula foi a continuação do governo Fernando Henrique por mais de um ano. O segundo de Dilma terminou antes da abertura do processo de impeachment. Na última quarta-feira, o de Temer entrou em colapso.
Presidentes caem quando perdem a autoridade política para mandarem e serem obedecidos. Temer começou a perder a dele depois da revelação do que disse e ouviu do empresário Joesley Batista, dono do Grupo JBS, durante encontro clandestino no porão do Palácio do Jaburu, em Brasília. Os dois eram amigos de muito tempo e haviam se reunido mais de 20 vezes, segundo Joesley.
A JBS foi a maior doadora da campanha de Temer para vice-presidente em 2014. Parte da doação — R$ 1 milhão — acabou entregue nas mãos de um assessor do candidato. Ao receber Joesley no Jaburu, a primeira preocupação de Temer foi indagar se ficara registro da entrada dele ali. Joesley respondeu que não. O gravador escondido no bolso do empresário eternizou o resto da conversa.
Se Temer tivesse se limitado a ouvir Joesley em silêncio, estaria enrascado do mesmo jeito. O grupo JBS fora alvo de cinco operações da Polícia Federal. Joesley corria o risco de ser preso a qualquer momento. Temer ouviu Joesley confessar vários crimes — entre eles, o de que “segurava” dois juízes e subornara um procurador da República. E o que fez? Deu-lhe ordem de prisão? Despediu-se dele amavelmente.
A sorte de Temer depende da decisão a ser tomada nesta quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de recurso que pede a suspensão do inquérito aberto contra ele. Temer é o único presidente da República investigado até agora pelo STF, suspeito de crimes de corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. Se o inquérito for suspenso, ele ganhará uma sobrevida. Do contrário… Hasta la vista, baby!
A política é como uma nuvem etc. e tal… O formato da nuvem no final da tarde de ontem em Brasília indicava que os principais partidos da base aliada do governo estão prontos para abandoná-lo se Temer seguir sendo investigado. Não haverá distribuição de cargos e de dinheiro que os segure. No impeachment de Collor, sobrou dinheiro e faltou voto para barrá-lo. No de Dilma também.
A oposição quer a renúncia de Temer e diretas já, para que Lula possa disputá-las. A nuvem indica que o sucessor de Temer será escolhido pelo Congresso, como manda a Constituição. E que o escolhido não será Cármen Lúcia, presidente do STF, inimiga declarada da corrupção. Nem Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, para evitar que ele sonhe se reeleger. Nem o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por problemas de saúde.
E Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados? A nuvem sugere que ele é o nome mais cotado para a vaga de Temer. Ocupará a vaga como presidente temporário. Depois poderá nela permanecer como presidente definitivo… enquanto dure. Até o PT e o PC do B votaram em Maia para presidente da Câmara. Ele foi citado na Lava-Jato, é verdade. E esse é seu ponto fraco.
Está bem… Só falta combinar com Temer, que poderia preferir se arrastar como um morto-vivo no cargo pelos próximos meses. Mas, como ele só quer o bem do país, não desejará ficar como o mal.
*Ricardo Noblat é jornalista

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Luiz Carlos Azedo: O juiz de Bruzundanga

Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos?
A República de Bruzundanga, de Lima Barreto, completa 95 anos, uma efeméride pouquíssimo lembrada, a não ser por alguns estudantes de Literatura. Às vésperas de Natal de 2014, ela já havia sido abalada por um escândalo envolvendo a maior empresa estatal do país, uma petroleira, e os donos da nação, entre os quais estavam a Mandachuva — a primeira mulher a assumir a Presidência — e seu padrinho, o Mandachuva que a antecedera. O problema é que ninguém ainda sabia disso, a não ser o cronista que reconta essa história, num tributo ao escritor carioca maldito (ele era pobre, mulato e gay).


No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que estava preso ameaçara contar tudo o que sabia à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da nação, se o marido passasse o ano-novo na cadeia. Estava revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal em um balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal.
Por essa razão, o executivo foi solto, chegou a fazer uma delação premiada, mas ela foi incinerada pelas autoridades porque houve um vazamento do conteúdo para jornais e revistas sensacionalistas, que insistiam em escandalizar o povo com os podres da República. O problema é que ele não desistiu, negociou nova delação, com mais 40 executivos da empresa. Em sua obra póstuma, o mestre do escárnio já havia desnudado a essência de Bruzundanga. Quase cem anos depois, nada havia mudado quanto aos costumes políticos. Só as velhas patacas foram substituídas pelo barusco, a moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizavam o mundo naquele Natal. Mas já estavam inflacionadas pela enxurrada de dólares que jorraram das plataformas da petroleira para misteriosas contas no exterior.
O ex-mandachuva continuou a trajetória como aquele personagem de Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, o Conde Fosca, já citado em 2014, quando começou a Operação Enxuga Devagar. Se vocês não se lembram, por ser imortal, esse personagem podia decidir o que quisesse, os outros pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Naquele Natal, a esposa de um executivo da petroleira que havia sido preso procurara o secretário particular do ex-mandachuva e avisara que contaria tudo se o marido continuasse em cana. Ele também foi solto a tempo de participar do amigo oculto da família, graças à Mandachuva, que gastou um dos cartuchos que tinha no tribunal para conseguir-lhe um habeas corpus. Coisas que ainda aconteciam em Bruzundangas.
Privilégios
Mas havia um juiz ferrabrás numa das províncias que resolveu subverter a ordem natural das coisas e pôs em cana todos os envolvidos no escândalo ao seu alcance. O ex-diretor da petroleira, convencido pela família, resolveu falar o que sabia. Relatou três encontros com o ex-mandachuva, que tinha conhecimento de tudo o que se passava na petroleira e agora ele está na iminência de ser preso. O executivo da estatal também entregou a ex-mandachuva, que meteu as mãos pelos pés e, no passado, acabou apeada do poder. Agora, também corre o risco de ser condenada e presa.
No meio de tanta confusão, o vice-mandachuva assumira o poder. Nele ainda se equilibra para terminar o mandato e chegar às eleições nacionais do ano que vem. A situação no país continua delicada. Durante a crise mundial, o povo viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é acabar com os privilégios e reinventar a economia, mas a elite política, os empresários que mamam nas tetas do governo e a alta burocracia resistem às reformas. Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos? O escândalo na petroleira virou o país de cabeça pra baixo. Quem foi mandachuva em Bruzundanga jamais perde a majestade. Na quarta-feira, ele será interrogado pelo juiz ferrabrás. O problema é que o tal magistrado veio de Curitiba.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Luiz Carlos Azedo: Ossos do ofício

Vamos raciocinar friamente: para uma “greve geral” na qual supostamente 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, as manifestações do Primeiro de Maio de ontem não passaram de protestos tradicionais. Com a diferença de que milhões de diaristas e outros trabalhadores informais rogaram aos patrões que os deixassem trabalhar no feriado, para recuperar o dia em que faltaram ao serviço, contra a própria vontade, porque os ônibus não circularam nas periferias.

Isso significa que as paralisações, os protestos, os vandalismos e os excessos policiais devem ser subestimados? Não, de forma alguma, são sintomas de um processo de radicalização política que complica mais do que ajuda a resolver as questões. A violência nas manifestações do dia 28 de abril reforçou a narrativa do golpe contra a Dilma Rousseff e de que o país caminha por uma via autoritária, o que é completamente falso, mas está colando na mídia internacional.
Ossos do ofício para o governo Temer, que resultou de um processo de impeachment e herdou a baixíssima popularidade da ex-presidente Dilma. Considerando também o fato de que vários ministros estão sob investigação da Operação Lava-Jato, até que o balanço dos protestos não é tão desfavorável. As votações das reformas da Previdência, na Câmara, e trabalhista, no Senado, para onde convergem as pressões da oposição, serão a prova dos nove. As duas reformas são uma espécie de rubicão, tanto para o governo Temer como para o país.
O governo Temer tem três pontos de sustentação: o primeiro é a Constituição, que lhe garante o respaldo das Forças Armadas e o reconhecimento dos demais poderes da República; o segundo, a política econômica e a blindagem da equipe que a conduz; o terceiro, a ampla base parlamentar no Congresso, que está sendo posta à prova. É como uma mesa que se mantém de pé sem uma perna, porque o peso que suporta está sobre a superfície escorada. Se perder um desses pés ou o peso se deslocar para o outro lado, ela cai.
A perna que lhe falta é o apoio da opinião pública, que está à deriva. A oposição está pior das pernas do que o governo, porque sofreu uma dupla derrota no ano passado: a perda do poder central, com o impeachment de Dilma; e, logo depois, a fragorosa derrota nas eleições municipais. O imponderável são as reformas da Previdência e trabalhista, que estão mexendo com a opinião pública; as forças derrotadas pelo impeachment estão se aproveitando disso, principalmente o PT, que procura renascer das cinzas, apesar da imagem carbonizada.
As reformas
Quem está contra a reforma da Previdência são os servidores públicos que têm aposentadorias privilegiadas, entre os quais se incluem algumas poderosas corporações das carreiras de Estado. Num país cujas instituições mais importantes foram criadas por uma elite escravocrata, mexer em certos privilégios é verdadeira blasfêmia. Além disso, certas categorias de servidores, ao passar dos anos, foram realmente aviltadas, o que faz das aposentadorias e pensões com salários integrais uma espécie de compensação de toda uma vida. O problema é que a Previdência, com a mudança do perfil demográfico da população, se tornou insustentável. Entretanto, ninguém espere uma rendição dos privilegiados. Não sabem o que é derrota, sempre ganharam a queda de braços.
No caso da reforma trabalhista, a questão é parecida. Escorada na velha CLT do Estado Novo, de inspiração fascista, formou-se uma enorme burocracia na estrutura sindical, que dispõe de recursos cativos que não dependem do desempenho de seus dirigentes nas campanhas salariais. Há também um pacto perverso entre sindicalistas e patrões quanto ao imposto sindical, que também é recolhido em favor das entidades patronais. São 16 mil sindicatos, com dezenas de diretores e centenas de empregados cada, um exército de centenas de milhares de ativistas, cujos piquetes profissionalizados são capazes de paralisar os transportes e tumultuar a vida das cidades.
A reforma da Previdência e a reforma trabalhista não são um capricho de Temer para passar à história como estadista, são exigências urgentes da economia. Estamos vivendo o esgotamento de um modelo de capitalismo no Brasil, que se baseava na brutal transferência de recursos públicos para os monopólios privados, pela via dos contratos de obras e serviços, dos privilégios fiscais, dos empréstimos camaradas, tudo isso acompanhado de mecanismos de financiamento político dos partidos no poder e reprodução das oligarquias, além do enriquecimento pessoal de seus operadores. Esse modelo foi desnudado pela Operação Lava-Jato, mas seu colapso também tem a ver com uma revolução tecnológica que pôs em xeque os meios de produção e as relações de trabalho tradicionais. Ela é irreversível.
* Luiz Carlos Azedo é jornalista.
Fonte:http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/