segunda-feira, 12 de junho de 2017

Luiz Carlos Azedo: Para onde vamos?

Para onde vamos? Ninguém sabe. O cenário é de instabilidade política, incerteza econômica e inquietação social.
Boa parte do que pensamos hoje sobre a relação entre economia e política é fruto de um grande debate ocorrido na Europa após a II Guerra Mundial, no qual alguns intelectuais analisaram profundamente as causas do colapso político e econômico do começo do século passado e a ascensão do fascismo. Esse debate proporcionou um período de grande estabilidade. Aqui no Brasil, porém, ocorreu o contrário: por causa da Guerra Fria, esse período foi marcado por crises sucessivas, que resultaram no golpe militar de 1964, ou seja, em 20 anos de ditadura. Quem são esses intelectuais e quais as suas ideias básicas?

Em primeiro lugar, os fundadores da Escola de Chicago, Ludwigh Von Mises e Friedrich Hayek, ambos austríacos, cuja defesa do liberalismo, ou seja, de uma sociedade aberta e livre, visava manter o Estado o mais longe possível da economia, para isolar os radicais de direita ou de esquerda e impedi-los de planejar, dirigir ou manipulá-la.
Com as mesmas preocupações quanto ao passado, em segundo lugar, o economista britânico John Maynard Keynes, chegou a conclusões completamente diferentes, defendendo a intervenção do Estado na economia para garantir a segurança social com políticas anticíclicas e isolar os radicais. Com base nas suas ideias, governos social-democratas e neokeynesianos construíram o Estado de bem-estar social na Europa, até que a onda neoliberal de Margaret Tatcher, na Inglaterra, nos anos 1980, colocasse em xeque essa política.
Somente após a redemocratização, em 1985, as ideias liberais e social-democratas que proporcionaram estabilidade e progresso à Europa Ocidental encontraram um ambiente favorável ao debate aberto e livre aqui no Brasil, sem as contingências da radicalização política causada pela Guerra Fria desde o governo Dutra, em 1946. Entretanto, vivíamos o esgotamento do modelo de substituição de importações e uma profunda crise de financiamento do Estado, o que resultou na hiperinflação do governo Sarney (1985-1989). Foi a partir desse debate que conseguimos controlar a inflação e consolidar a democracia, o que nos proporcionou três inéditas décadas de estabilidade política, em que pese os impeachments de Collor de Mello (1992) e Dilma Rousseff (2016).
Entretanto, esse debate foi mitigado e hegemonizado pela polarização PSDB-PT, desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Num primeiro momento, em decorrência do sucesso do Plano Real e da estabilização da moeda. As correntes neoliberais e desenvolvimentistas foram neutralizadas pelo pensamento social liberal predominante na equipe do ministro da Fazenda, Pedro Malan, além da forte influência do pensamento de Peter Ducker nas políticas públicas (fazer com que os serviços públicos adotassem métodos e práticas de gestão das empresas privadas).
A chegada do PT ao poder, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, com sua “Carta aos Brasileiros”, num primeiro momento, garantiu certa continuidade dessas políticas, com ênfase no “focalização” dos gastos sociais nas camadas mais pobres da população, via programas compensatórios de transferência de renda. Esse curso, porém, já no fim do primeiro mandato de Lula, foi alterado profundamente, com a adoção de práticas populistas e medidas nacionais desenvolvimentistas focadas no adensamento cartorial das cadeias produtivas.
E as reformas?
Tal política foi exacerbada ainda mais no governo Dilma. A “nova matriz”, porém, nada mais era do que a fusão do velho “capitalismo de laços” com um novo “capitalismo de Estado”, a serviço da formação de cartéis e grandes empresas monopolistas, os chamados “campeões nacionais”, que garantiram, por meios ilegais, a reprodução eleitoral do bloco político no poder. Esse processo ampliou o patrimonialismo, a corrupção e o fisiologismo, que estão sendo desnudados pela Operação Lava-Jato. E mergulhou o país na mais dura recessão, o que provocou o impeachment de Dilma.
Assim, chegamos ao atual governo. O velho PMDB, fisiológico e patrimonialista, continua o grande fiador da governabilidade e da estabilidade do sistema político. O presidente Michel Temer, o vice que assumiu o poder, recebeu pleno apoio das forças políticas que apoiaram o impeachment, mas não da opinião pública que se contrapôs ao governo Dilma. Seus cacifes: a forte base parlamentar e grande capacidade de articulação no Judiciário.
Temer assumiu o governo com um programa de combate à inflação, recuperação de estatais, limitação de gastos públicos e reformas da Previdência e das relações trabalhistas. Com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato, que chegou às cúpulas do PMDB e do PSDB, deslocou o eixo de sua atuação das reformas para a preservação do mandato de presidente da República. Para onde vamos? Ninguém sabe. O cenário é de instabilidade política, incerteza econômica e inquietação social.

terça-feira, 6 de junho de 2017

O Estado de S.Paulo: O absurdo das ‘diretas já’

O descomunal esforço necessário para satisfazer esse desejo seria inútil porque logo em seguida seria necessário escolher o sucessor do eleito

                                          Foto:Paulo Pinto/AGPT

Além de ignorar a Constituição, a defesa da realização de eleições diretas à Presidência da República a menos de dois anos do final do mandato não leva em conta as óbvias dificuldades de organização de um pleito dessa magnitude em tão pouco tempo, e isso tudo para eleger um presidente que ficaria, na melhor das hipóteses, cerca de um ano no cargo. O descomunal esforço institucional e econômico necessário para satisfazer esse desejo alegadamente democrático seria, na prática, inútil, porque logo em seguida seria necessário deflagrar nova campanha eleitoral para escolher o sucessor desse presidente eleito apenas para terminar o mandato.

A não ser que se pretenda emendar a Constituição de tal maneira que se abrevie o mandato nascido das urnas em 2014 e se dê ao eleito um novo termo – há que fale em mandato de cinco anos –, a mobilização em torno de tão disparatada iniciativa seria, em resumo, apenas irresponsável.

A ligeireza do debate sobre a realização de eleições diretas para presidente caso Michel Temer não consiga completar o mandato é espantosa. Há quem diga, candidamente, que basta aprovar uma emenda constitucional como qualquer outra para tirar do Congresso e “devolver ao povo” a prerrogativa de eleger o presidente que cumprirá o mandato até 2018. Já há algumas iniciativas nesse sentido em tramitação no Congresso – uma, na Câmara, prevê eleição direta em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência até seis meses antes do final do mandato; e outra, no Senado, que estabelece como limite o último ano do mandato.

Ora, quem defende a vigência dessa mudança já neste ano, como num passe de mágica, não leva em conta – por ingenuidade, ignorância ou má-fé – o princípio da anualidade, previsto no artigo 16 da Constituição. Nele se lê que qualquer lei que altere o processo eleitoral não se aplica “à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. A razão dessa salvaguarda é simples: com ela, evita-se que as regras do jogo sejam alteradas em cima da hora por interesses casuísticos, para beneficiar uns candidatos em detrimento de outros. A isso se dá o nome de segurança jurídica, primado das sociedades civilizadas.

Mesmo que tudo isso seja ignorado, o que em si já configuraria uma inacreditável aventura institucional, a própria realização de uma eleição presidencial ainda neste ano implicaria uma incalculável mobilização de recursos de toda ordem. Campanhas eleitorais não são feitas da noite para o dia. É suposto, antes de tudo, que uma eleição sirva para que candidatos convençam os eleitores sobre seus propósitos, e isso demanda tempo, sem falar na necessidade de obter financiamento. Que presidente seria eleito em um processo tão açodado? Melhor nem perguntar.

Mas os advogados das “diretas já” são persistentes. Segundo seu discurso, a escolha do substituto de Michel Temer por eleição direta daria ao eleito a legitimidade que o presidente designado pelos congressistas não teria, já que muitos dos atuais parlamentares estão envolvidos em cabeludos escândalos de corrupção. Além disso, dizem esses paladinos da democracia que o estabelecimento de eleição direta agora serviria para restituir aos cidadãos o direito de escolher seu presidente, razão pela qual seu movimento diz inspirar-se nas “Diretas Já”, de 1984.

Nem é o caso de discutir aqui a evidente contradição dos que consideram o atual Congresso legítimo o bastante para mudar a Constituição a seu favor, mas ilegítimo para eleger o presidente da República conforme manda a lei. Já a comparação com as “Diretas Já” é obviamente excêntrica: diferentemente dos cidadãos brasileiros que, nos estertores do regime militar, queriam de volta o direito de escolher o presidente, os eleitores de hoje puderam votar em 2014 e poderão votar novamente em 2018. Aliás, vota-se diretamente no presidente desde a eleição de Fernando Collor. Ou seja, não há direito a ser restituído, pois nenhum foi cassado.

Por trás de toda essa balbúrdia sobre uma eleição direta extemporânea – que se presta mais a reunir artistas militantes em shows gratuitos do que a incitar uma discussão séria sobre o futuro do País – está um grande esforço para desqualificar os políticos em geral. E todos sabem, ou deveriam saber, que essa destruição é tudo o que os demagogos querem.